Pedro Perini-Santos e Beto Vianna
Reclamar das limitações impostas pelo policiamento
linguístico virou o esporte preferido de alguns fazedores de opinião
congenitamente mal-humorados. Como não queremos cercear a liberdade de ninguém
de ofender os demais, vamos tratar de um assunto bem mais afirmativo, que é a
linguagem do apreço, do enaltecimento.
As expressões que compõe o título deste artigo não
foram expurgadas pelo politicamente correto. São termos corriqueiros que
aparecem em anúncios publicitários, em matérias de divulgação de eventos e até
no noticiário. Chamadas como “Megabalada na boate O Alpendre: só vem gente
bonita” são ilustradas por fotos de pessoas jovens, brancas, bem-tratadas e com
cabelos lisos. O recado é claro: bonito é quem é jovem, forte, branco e rico.
Em estilo semelhante, as imobiliárias e as colunas
sociais categorizam os bairros mais ricos da zona sul da cidade como “bairros
nobres”, ou seja, há bairros que acolhem moradores que são vistos e tidos como superiores
aos demais habitantes da capital, pois, se há pessoas nobres, os demais, por
extensão, são plebeus, certo? Compare esses termos com aquele outro, tão usado
por nossos intelectuais sempre alertas ao bom uso da língua: “norma culta”. E
quem não pratica a norma culta, é, por extensão, o quê?
Não é necessário haver controle na entrada de
eventos de gente bonita ou no acesso aos bairros nobres, selecionando quem pode
e quem não pode participar dos ambientes especiais. A vivência diária o faz.
Por exemplo, para que negras e negros sejam plenamente aceitos, esses têm que
ser ainda mais charmosos e ricos que a média dos usuários habituais dos setores
vips da sociedade. Devem ser motivos de um sonoro “uau, que corpo!”, sendo essa
frase a expressão prosódica do desejo por contato erótico a ser relatado
orgulhosa e sutilmente aos amigos e amigas, e acompanhado por generosas doses
de um especial 12 anos qualquer.
Quem está por cima acha ótimo continuar nesse
lugar. Palavras como "esnobe", supostamente críticas daqueles que têm
ou mostram ter bala na agulha, têm origem na falta de paciência com a
mobilidade social. Dizem as más línguas que vem da abreviação inglesa s.nob
(sem nobreza), título carimbado nos alunos de origem plebeia que receberam a
graça de frequentar as sangueazuladas escolas britânicas.
O mesmo vale para o convívio nos bairros
da elite, outra expressãozinha danada de complicada. Nesse caso, a linha de
corte é o rendimento e a aparente sofisticação comportamental. Ali os
restaurantes têm nomes italianos e franceses, com cardápios redigidos nessas
línguas, generosamente evitando que consumidores plebeus, incapazes de
pronunciar corretamente o costumaz pedido de um Pinot
Noir, 95, com bouquet épicée, adentrem ao recinto e paguem mico (para
os outros).
É ótimo ter liberdade de escolha no uso
da língua. Mas não custa nada abandonarmos as escolhas que ferem as outras
pessoas. Isso, sim, é falar bonito.
Publicado em O Tempo, 12/05/12
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