domingo, 6 de fevereiro de 2011

Por causa da mulher

Pedro Perini-Santos e Beto Vianna


No seu discurso de posse, Dilma Rousseff referiu-se ao cargo que assumia usando aquele termo que vem dando pano pra manga: “Venho para abrir portas para que muitas outras mulheres também possam, no futuro, ser presidenta.”. E a pergunta surge e ressurge: é certo ou errado dizer presidenta? Nossa resposta é: está certo e argumento não falta.

Primeiro, todos entenderam. Não houve ambiguidade, desinformação, incorência ou impropriedade no uso do termo. Seria incoerente se ela dissesse que vai abrir as portas para que outras mulheres possam ser jogadoras de futebol, ou fechar as portas para outras mulheres que almejam a presidência.

Segundo argumento: não é a língua que muda, mas são as pessoas que mudam a língua. Mudanças ocorrem na medida do uso. E a entrada de novas palavras em uma língua pode ser bastante rápida. Não devem ter mais que 30 anos as expressões brasileiras deletar, x-frango e beijódromo, e elas funcionam muito bem. Mudanças nas marcações de gênero são mais lentas. Estima-se que a substituição do sistema masculino/feminino/neutro do latim, para o sistema masculino/feminino do português careceu de pelo menos dez gerações para se efetivar. E presidenta não é palavra nova nem um novo gênero: é palavra existente usada em gênero existente. O que é novo é o uso do gênero feminino nessa palavra em particular.

O terceiro argumento diz respeito à educação. Os veículos de comunicação têm, em geral, a necessidade de padronizar o uso de itens e formas gramaticais. Mas a língua tem outros usos. Certos comentaristas de gramática têm uma postura muito agressiva em relação às mudanças na língua. Isso não é nada bom. Resulta em um sentimento de baixa autoestima linguistica, apoiado no uso de gramáticas escolares normativas, tecnicamente falhas, dificultando as dinâmicas escolares.

Outro argumento: o uso de presidenta não vai esculhambar o barraco. Não vamos passar a falar eleganta nem estudanta. Faz sentido dizer presidenta como tem sentido dizer médica ou sargenta, pois botar a marca do feminino na profissão é usual quando mulheres passam a exercê-la. Nem toda língua é assim. Em francês europeu, diz-se “madame le professeur Julie Fougère” (ao pé da letra: senhora o professor Júlia Samambaia). Já os canadenses de fala francesa usam, como nós, o feminino: “la professeuse”.

Um contra-argumento ruim, que tem circulado por aí, é que a palavra presidente é formada por derivação do verbo presidir, tal como pedir/pedinte, impedindo o uso do feminino. Esquecem de dizer que o resultado é uma forma nominal, que em português sempre pode ganhar marca de gênero. Governanta também vem de governar, mas ganhou marca de feminino para se referir a uma atividade exercida exclusivamente pelas mulheres. Presidenta tem motivação ainda mais clara. O termo aponta para a primeira brasileira no cargo, dando dupla justificação à marca de feminino: o momento histórico e a luta pela igualdade profissional da mulher.

Por fim, a entrada de novos itens e novas formas é sinal de saúde e força de uma língua. O árabe, o japonês e o inglês primam pela eficiência na incorporação de palavras estrangeiras, adaptando-as às suas fonéticas e alfabetos particulares. Ganham assim mais recurso de expressão, mais versatilidade e abrem as possibilidades de escolha de seus usuários. Em vez de criticar o uso de presidenta, basta pensar que temos duas formas na mão. Que façamos a nossa escolha.


Publicado em O Tempo, 05/02/2011

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