Beto Vianna
Há muitos anos havia um rei, mau como
todos os reis. Esse rei, de nome Midas, fizera um favor a Dionísio, e o deus retribuiu
concedendo-lhe um pedido. O resto da história, a leitora ou o leitor devem conhecer:
Midas quis mudar em ouro tudo o que tocasse. E o deus, brincalhão como todos os
deuses, não titubeou em atender o monarca. Não apenas a comida, a bebida, as
mulheres (e a filha) do desafortunado rei viraram ouro, privando-o de fome, de sede
e de amor, mas o mundo parecia a Midas, de agora em diante, um só: ouro, que
seja, mas, principalmente, um só.
A desgraça fictícia do rei lança sombras
no nosso mundo, por direito, real, e a história de Midas só é fantasiosa em
seus detalhes químicos (não é todo dia que vemos pessoas transformando suas
filhas em ouro). Sofremos de um mal parecido, cada vez que tropeçamos em
informações e sentimentos demasiado uniformes, repetidos, e, por isso, com
brilho de incontestáveis.
O mundo monótono da informação
massificada, mediado pelas empresas de comunicação e a serviço de interesses
mais silenciosos, ganhou um aliado recente, embora mais arredio, com a explosão
da internet e de suas filhas douradas, as redes sociais. Sim, a internet
democratiza o espaço de conversas. E sim, ao contrário da tradicional mass media, há mais gente on-line com o
direito de dizer, não só de ouvir. No entanto, observa-se um fenômeno igualmente
reacionário, que tem sido explorado pelas corporações do mundo livre (entre
elas, o oportunista braço da mídia), em que as pessoas veem-se magicamente
felizes sentindo e opinando as mesmas coisas, reproduzindo convicções confortáveis.
Tome, como péssimo exemplo, os preconceitos, os ódios à diferença, os
julgamentos de costumes, que se alastram na rede como fogo em capim seco.
Nesses casos, a “democratização do dizer” emburrece tanto ou mais que a velha atitude
passiva do telespectador.
A vida acrítica nas redes tem elementos
mais perversos que a ditadura da TV. Esta, bombardeando-nos com programas
estúpidos e noticiários tendenciosos, ao menos invade só o momento da recepção.
Como acontece com os livros (há livros tão ruins quanto a programação da TV),
após ver, ouvir, ler, temos a oportunidade de debater com as outras pessoas. Esse
é o momento da socialização, em que retramamos nossa cultura. Nas redes
sociais, as opiniões são logo engolidas e cuspidas (é dizer: curtidas e
compartilhadas) com pouca ou nenhuma mediação da conversa com gente real ou
virtual.
Não sou pessimista em relação ao novo
universo em rede, de que, aliás, participo com gosto. A lenda de Midas oferece uma
saída quando Dionísio, cansado da brincadeira, conta ao rei que tudo pode
voltar ao que era se ele se banhar nas águas de um certo rio. Quem sabe nossos
deuses também se cansem de viver em um mundo só? Quem sabe a diversidade seja,
daqui pra frente, recebida com a alegria que ela merece? Tudo é possível nessa
nossa realidade.
Publicado em
O Tempo , 25/10/2012